domingo, 26 de fevereiro de 2012

Atenção terciária

Atenção terciária ou alta complexidade designa o conjunto de terapias e procedimentos de elevada especialização, que empregam tecnologias duras e que são realizados no ambiente hospitalar.

O modelo técnico-científico de atenção à saúde, que privilegia o hospital como ambiente para a prática de cuidados, contribuiu para que a atenção terciária permanecesse no imaginário popular como nível de atenção à saúde de maior importância . Com efeito, é comum ver a mídia em geral destacar novíssimas tecnologias e até mesmo técnicas experimentais como sendo soluções para os problemas de saúde. Liga-se a imagem do hospital bem equipado à de eficiência de sistema de saúde.

Contudo, em termos de saúde pública, há de se ressaltar que a esmagadora maioria das necessidades de saúde da população é satisfeita na atenção primária em saúde, razão pela qual os investimentos nesse nível têm impacto muito maior nos indicadores de saúde, que aqueles feitos na atenção terciária.

Segundo Jorge Solla e Arthur Chioro, a atenção primária em saúde resolve mais de 80% dos problemas de saúde da população, o nível secundário cerca de 15% e o nível terciário aproximadamente 5% dos problemas de saúde (Atenção ambulatorial especializada. In GIOVANELLA, Ligia, et. al. Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2009. p. 628).

Obviamente, a disponibilidade de atenção terciária em saúde é imprescindível, sobretudo porque a garantia do direito à saúde no Brasil está permeada pelo princípio da integralidade. O que se quer destacar, entretanto, é que a atenção terciária é necessária para um número restrito de necessidades em saúde, deve ser acessada por meio de outros níveis de atenção e suas tecnologias devem ser empregadas quando existentes evidências científicas de eficácia e segurança para os usuários.

O credenciamento de serviços de atenção terciária ou alta complexidade requer, entre outros cuidados, a verificação de escala suficiente para os atendimentos, uma vez que, não a havendo, tais serviços tendem a ser economicamente inviáveis e também pouco resolutivos, trazendo riscos para a saúde dos usuários. É importante, assim, que se dê ênfase à regionalização dos serviços, de acordo com indicadores demográficos e epidemiológicos, a fim de que a atenção terciária possa servir a uma população referenciada, quando houver necessidade.

Em resumo, uma rede de atenção à saúde que se proponha a dispensar atenção integral aos indivíduos e populações deve assegurar que os usuários tenham acesso aos recursos necessários no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo e a qualidade certa, como ressalta Eugênio Vilaça Mendes (Apud BRAGA NETO, Francisco Campos; BARBOSA, Pedro Ribeiro; SANTOS, Isabela Soares. Atenção Hospitalar: evolução e tendências. In GIOVANELLA, Ligia, et. al. Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2009. p. 679).

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Atenção secundária ou média complexidade

A atenção secundária em saúde ou média complexidade reúne os serviços especializados  e serviços de apoio diagnóstico e terapêutico - SADT.

Segundo Jorge Solla e Arthur Chioro:

"A área de atenção especializada, de uma maneira geral, pode ser conceituada e ao mesmo tempo delimitada pelo território em que é desenvolvido um conjunto de ações, práticas, conhecimentos e ténicas assistenciais caracteristicamente demarcadas pela incorporação de processos de trabalho que englobam maior densidade tecnoloógica, as chamadas tecnologias especializadas". (Atenção ambulatorial especializada, In GIOVANELLA, Lígia. Políticas e sistemas de saúde no brasil. Rio de Janeiro, Ed. FIOCRUZ, 2009, p. 629/630)

Como a atenção primária em saúde deve coordenar os cuidados dispensados aos usuários, assumindo o papel de porta de entrada, o acesso à atenção secundária deve se dar por intermédio daquela. De outro lado, é imprescindível o acesso do profissional de atenção primária aos dados sobre os cuidados dispensados pelos serviços de atenção secundária, bem como a disponibilidade dos SADT para a integralidade da atenção à saúde.

Enquanto a atenção primária em saúde deve ser prestada obrigatoriamente por cada município, em seu território, independente do porte, na atenção secundária o município pode garantir o acesso por meio de serviços de referência em outros municípios com os quais mantém pactuação.

Em Minas Gerais, com o Plano Diretor de Regionalização - PDR -, o Estado está divido em microrregiões de saúde, as quais devem ter resolutividade na atenção secundária, dispondo de serviços de referência ao menos na sede.

Preocupa no SUS o fato de ser o sistema altamente dependente do setor privado na atenção secundária, sobretudo em se tratando de SADT, ao contrário do que ocorre com os serviços de atenção primária, que são eminentemente públicos.

Grandes são os "gargalos" para o acesso a serviços de atenção secundária pelos usuários do SUS, levando à perda da integralidade e graves prejuízos para os usuários, que não dispõem dos procedimentos necessários no tempo certo.

Temos aqui mais um dos campos em que é premente a necessidade de investimento público.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Fraternidade e saúde pública

Interrompo os posts sobre níveis de atenção à saúde para lembrar que hoje está sendo lançada pela CNBB a Campanha da Fraternidade com o tema "Fraternidade e Saúde Pública" e o lema "Que a saúde se difunda sobre a terra" (cf.Eclo 38,8).
Parabéns para a CNBB por mobilizar não só os católicos como toda a sociedade brasileira para refletir sobre a saúde pública no Brasil. Provocar a discussão junto à sociedade mostra-se imprescindível em um momento em que o governo federal coloca a saúde pública em segundo plano, já que anunciou um corte de R$ 5,5 bi no orçamento da saúde.
A campanha da de 2012 busca “refletir sobre a realidade da saúde no Brasil em vista de uma vida saudável, suscitando o espírito fraterno e comunitário das pessoas na atenção dos enfermos, e mobilizar por melhoria no sistema público de saúde”*.
São propostos os seguintes objetivos específicos*:
- Disseminar o conceito de bem viver e sensibilizar para a prática de hábitos de vida saudável.
- Sensibilizar as pessoas para o serviço aos enfermos, o suprimento de suas necessidades e a integração na comunidade.
- Alertar para a importância da organização da pastoral da Saúde nas comunidades: criar onde não existe, fortalecer onde está incipiente e dinamizá-la onde ela já existe.
- Difundir dados sobre a realidade da saúde no Brasil e seus desafios, como sua estreita relação com os aspectos socioculturais de nossa sociedade.
- Despertar nas comunidades a discussão sobre a realidade da saúde pública, visando à defesa do SUS e à reivindicação do seu justo financiamento.
- Qualificar a comunidade para acompanhar as ações da gestão pública e exigir a aplicação dos recursos públicos com transparência, especialmente na saúde. (cf. p. 12 do Texto-Base da CF).


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Atenção primária em saúde

Como destacamos no post anterior, acesso integral à saúde significa promover ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde; disponibilizar recursos dos diferentes níveis de complexidade - atenção primária, secundária e terciária - e atender o indivíduo de forma holística, ou seja, cuidar do mesmo em sua plenitude, abrangendo suas dimensões física, psíquica e social.

A Constituição de 1988 dispõe que as ações e serviços públicos de saúde, a par de se organizarem em sistema único - SUS -, integram uma rede regionalizada e hierarquizada.

A hierarquização dos níveis de atenção à saúde é objeto de crítica atual dos sanitaristas, que afirmam que o modelo piramidal não atende satisfatoriamente às necessidades da população, sobretudo em função do processo de envelhecimento e alta prevalência de doenças crônicas, as quais requerem cuidado multiprofissional e continuado. Salientam ainda que a hierarquização em níveis de atenção dá a falsa idéia de que a atenção secundária e terciária têm importância maior para a saúde pública que a atenção primária.

Em que pese tal crítica, a classificação dos níveis de atenção, com a advertência de que a mesma leva em consideração maior especialização de cuidados e crescente emprego de tecnologias duras, é de interesse para estudo da saúde pública.
Assim, tomando de início a atenção primária em saúde, damos início aos nossos breves comentários sobre o tema.

A atenção primária em saúde para as estudiosas da saúde coletiva, Lígia Giovanella  e Maria Helena Magalhães de Mendonça, é assim conceituada:

"A atenção ambulatorial de primeiro nível, ou seja, os serviços de primeiro contato do paciente com o sistema de saúde, direcionados a cobrir as afecções e condições mais comuns e a resilver a maioria dos problemas de saúde de uma população, é em geral denominada Atenção Primária em Saúde." (Atenção Primária em Saúde. In Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. Ed. Fiocruz, 2009, p. 576)

Destacamos que a atenção primária em saúde se trata da porta de entrada preferencial do usuário no sistema de saúde - gatekeeper - e deve estar integrada com os demais serviços, exercendo função coordenadora dos cuidados. Os profissionais devem atender uma comunidade bem definida e criar vínculos com a mesma, permitindo conhecer suas necessidades. Estima-se que, funcionando de forma ideal, a atenção primária em saúde é capaz de resolver aproximadamente 85% das necessidades de saúde de uma população.

A atenção primária em saúde foi o caminho apontado pela OMS em 1978 na Conferência de Cuidados Primários em Saúde de Alma-Ata para se atingir a meta de saúde para todos.

No Brasil, a atenção primária surgiu na década de 1990 como alternativa de ampliação de acesso à saúde especialmente para pessoas em situação de grande vulnerabilidade social e residentes em regiões remotas do Brasil (Norte e Nordeste). Não estava integrada aos demais níveis de assistência à saúde. Nesse contexto, tinha objetivos restritos e baixa resolutividade, embora tenha tido mérito de aproximar os serviços de saúde de populações excluídas.

Com a denominação de atenção básica - a qual é bastante utilizada até hoje - adotou-se de modelo de atenção primária em saúde seletiva, baseada no ideário dos organismos econômicos internacionais, que propugnavam, nas décadas de 1980 e 1990 reformas do Estado Social e recuo nos gastos sociais pelos Estados.

A concepção de atenção primária em saúde passou a mudar no Brasil a partir do Programa Saúde da Família - PSF -, que posteriormente foi consagrado como estratégia preferencial. Com efeito, as equipes de saúde da família foram sendo progressivamente incrementadas, contemplando saberes diversos e afastando-se do modelo de cuidado centrado no cuidado médico. A par disso, a atenção primária em saúde deixou de ser focada em demandas específicas como combate da epidemia de cólera e da diarréia em geral, orientação para os cuidados infantis e vacinação.

Atualmente, é reconhecida a importância da atenção primária em saúde, que contempla ações de promoção e prevenção, tem sua atenção voltada para famílias e comunidades, objetiva a criação de vínculos entre profissionais e comunidades atendidas como forma de dispensar ao usuário cuidados de forma longitudinal. Com efeito, investimentos em atenção primária em saúde são os que produzem maior retorno para os gestores e impacto nos indicadores de saúde.

Dada a relevância da atenção primária em saúde, o Decreto 7508/11, que regulamentou a Lei 8080/90 conferiu expressamente à atenção primária em saúde o papel de coordenação dos cuidados dispensados aos usuários do SUS.

Em face do exposto, cabe aos gestores tomarem a atenção primária em saúde como prioridade, observadas, obviamente as diretrizes dos planos de saúde e o controle social.

Em face do exposto, não posso deixar de conclamar os membros do Ministério Público para que, a par de atenderem à enorme demanda espontânea e necessidades individuais do dia-a-dia da Promotoria de Justiça, verifiquem a resolutividade da atenção primária em saúde nos municípios e atuem junto aos gestores buscando seu adequado funcionamento, atentando, por exemplo, para a necessidade de cumprimento da jornada de 40 (quarenta) horas semanais pelos profissionais de saúde.

Mais informações sobre o assunto podem ser encontradas no site da Diretoria de Atenção Básica do Ministério da Saúde http://dab.saude.gov.br/ e no Plano Nacional de Atenção Básica http://dab.saude.gov.br/imgs/publicacoes/pactos/pactos_vol4.jpg, publicação que trata da matéria.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Atenção integral em saúde

A Constituição de 1988 estabelece a saúde como direito fundamental, de acesso universal, igualitário e integral (art. 196). Aliás, ainda que haja divergências quanto à extensão e limites, doutrina e jurisprudência reconhecem o direito subjetivo a prestações destinadas a concretizar o direito à saúde. Tratando-se de direito fundamental, tais prestações são exigíveis independente de intermediação legislativa que estabeleça a prestação em concreto (art. 5º, §1º da CR/88).
Grande parte do que se vem de dizer relaciona-se ao princípio da integralidade, que diz respeito ao objeto do direito à saúde, ou seja, àquilo que pode ser pleiteado pelo cidadão diante do Estado.
Em termos legais, integralidade está definida como "conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema" (art. 7º, II da Lei 8080/90). O capítulo VIII da Lei 8080/90, inserido pela lei 12401/11, trata da assistência terapêutica integral, condicionando-a ao que dispõem protocolos e elencos oficiais.
No recente decreto 7508/11, que regulamenta a Lei 8080/90, há referências à integralidade, relacionando-a ao SUS e às redes de atenção à saúde. Nesse sentido, o art. dispõe que "o acesso universal, igualitário e ordenado às ações e serviços de saúde se inicia pelas portas de entrada do SUS e se completa na rede regionalizada e hierarquizada, de acordo com a complexidade do serviço". Mais adiante, no art. 20, estabelece que "a integralidade da assistência à saúde se inicia e se completa na Rede de Atenção à Saúde, mediante referenciamento do usuário na rede regional e interestadual, conforme pactuado nas Comissões Intergestores".
Embora as normas publicadas no ano de 2011, por, de certa forma, limitarem o direito à saúde, sejam de questionável constitucionalidade, uma vez que se trata de direito fundamental umbilicalmente ligado ao direito à vida com dignidade, por ora, não vamos nos ocupar desse tema. Queremos, neste momento, lembrar ao leitor sobre o conteúdo do princípio da integralidade, que no âmbito jurídico por vezes é esvaziado, posto que tratado apenas como a possibilidade de exigência de prestações perante o Poder Judiciário.
Na verdade, o arcabouço constitucional e legal confere extensão muito maior à integralidade de acesso. Nesse sentido, estamos com Carlos Eduardo Aguilera Campos, que conclui, citando Ligia Giovanella: "Em suma: os sistemas integrais de saúde deveriam atender a algumas premissas básicas, quais sejam: a primazia das ações de promoção e prevenção; a garantia de atenção nos três níveis de complexidade da assistência médica; a articulação das ações de promoção, prevenção, cura e recuperação; a abordagem integral do indivíduo e famílias." (CAMPOS, Carlos Eduardo Aguilera. O desafio da integralidade segundo as perspectivas da vigilância da saúde e da saúde da família. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, 2.003, p. 577).
Dentro de tal conceito, sobressai o interesse sobre os níveis de atenção à saúde, o que passaremos a expor nos próximos posts, iniciando pela atenção primária em saúde.