segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Plano de saúde patrocina encontros de juízes

Notícia on line da Folha de São Paulo, cujo título se indicou acima, informa o patrocínio por plano de saúde de evento que congrega magistrados.
A relação, no mínimo, leva-nos a refletir sobre a imparcialidade dos magistrados na condução das ações em face da empresa e sobre a licitude ou, no mínimo, a moralidade da estratégia adotada pela empresa.
Vamos ficar atentos.
A matéria segue na íntegra abaixo.
 
"Na última sexta-feira, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, presidiu um júri simulado sobre a judicialização da saúde, na Escola Paulista da Magistratura, em São Paulo.
O evento foi aberto por dois dirigentes da Unimed, cooperativa de médicos que opera planos de saúde e que patrocina encontros com magistrados para discutir o aumento das ações judiciais na área de saúde. Em agosto, cerca de cem juízes foram, num final de semana, a um congresso no hotel Casa Grande, no Guarujá. As despesas dos magistrados e dos acompanhantes foram pagas por operadoras de planos.
Os dois exemplos de lobby revelam a preocupação do setor privado com o aumento de processos e o risco para a saúde financeira do sistema.
A Unimed fez a "Cartilha de Apoio Médico e Científico ao Judiciário". No livreto, Caio da Silva Monteiro, diretor da empresa, diz que a intenção "é proteger o Sistema Unimed das liminares que determinam atendimentos sem a contrapartida financeira" e que "existe tendência natural do Judiciário na intenção de proteger o consumidor em detrimento da operadora".
Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça recomendou encontros e convênios para que os juízes recebam apoio técnico ao julgar demandas urgentes relativas à saúde.
"Deixamos para o juiz essa imensa responsabilidade, e ele acaba não estando devidamente preparado", diz Mendes. Em 2011, o ministro Dias Toffoli presidiu o júri simulado feito pela Unimed.
O congresso no Guarujá foi promovido pelo IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar), fundado por operadoras de planos. Teve apoio do Tribunal de Justiça de São Paulo. O ministro Marco Aurélio de Mello (STF) foi palestrante. "A não ser o pernoite, nada mais é custeado pelos organizadores", disse.
O desembargador Ivan Sartori dirigiu um dos painéis. Sua assessoria informou que ele não ficou no hotel.
Alguns juízes que participaram de encontros promovidos pela Escola Paulista da Magistratura em fóruns no interior de São Paulo não sabiam que a Unimed era patrocinadora. Eles entendem como "doutrinação" a tentativa de padronizar decisões na primeira instância.
O CNJ diz que o Judiciário acumula 241 mil processos na área (dados de 2011).
OUTRO LADO
O desembargador Armando de Toledo, diretor da Escola Paulista da Magistratura, diz que o encontro no hotel Casa Grande foi "uma troca de conhecimento, sem característica de doutrinação".
"As conclusões serão úteis. É importante saber o que os grandes litigantes estão pensando", diz. "A parceria no custeio é necessária para o juiz ir [ao evento]". Ele diz que não há como fazer os encontros durante a semana.
O juiz João Baptista Galhardo Júnior, assessor da presidência do TJ-SP, diz que instalou em Araraquara (SP) Câmara Técnica para auxiliar os juízes em decisões urgentes.
José Cláudio Ribeiro Oliveira, assessor jurídico da Unimed Brasil, diz que "os juízes irão continuar a decidir com sua consciência" e que o tipo de apoio aos eventos varia entre as unidades.
A assessoria do STJ informou que o ministro Ricardo Villas Boas Cueva não quis se manifestar. O IESS não se pronunciou."
 

domingo, 9 de setembro de 2012

PSV nº 4: ameaça ao princípio da universalidade do SUS

Enunciado de súmula vinculante proposto pelo Defensor Público-Geral da União pode ter como efeito a restrição de acesso às ações e serviços públicos de saúde.
 
O Defensor Público-Geral da União pleiteou ao Supremo Tribunal Federal - STF -, ainda em dezembro de 2008, a edição de súmulas vinculantes distribuídas como Proposta de Súmula Vinculante nº 4 - PSV nº 4 - com o objetivo de tornar expressas:
 
1) a “responsabilidade solidária dos Entes Federativos no que concerne ao fornecimento de medicamento e tratamento médico ao carente, comprovada a necessidade do fármaco ou da intervenção médica, restando afastada, por outro lado, a alegação de ilegitimidade passiva corriqueira por parte das Pessoas Jurídicas de Direito Público”;
 
2) “a possibilidade de bloqueio de valores públicos para o fornecimento de medicamento e tratamento médico ao carente, comprovada a necessidade do fármaco ou da intervenção médica, restando afastada, por outro lado, a alegação de que tal bloqueio fere o artigo 100, caput e § 2º da Constituição de 1988. 
 
O aparente fortalecimento da tutela jurisdicional do direito à saúde por meio da definição pelo STF da responsabilidade solidária dos entes federados e da possibilidade de bloqueio de verbas públicas nas ações que versem sobre o direito à saúde esconde uma perigosíssima armadilha: a instrumentalização da via judicial de garantia do direito à saúde para os carentes.
 
Já afirmamos diversas vezes neste espaço que o traço diferenciador do direito à saúde no Brasil e que marca o pioneirismo da Constituição de 1988 no ordenamento jurídico brasileiro é assegurar a saúde como direito de todos. Trata-se da principal bandeira do movimento da reforma sanitária brasileira, que surgiu na década de 1970 e consolidou-se na década de 1980: defesa da saúde como direito de cidadania. É a consagração de um sistema nacional de saúde de característica solidária.
 
Essa bandeira, já se disse, foi assegurada no texto constitucional, que reconheceu a saúde como direito fundamental (direito social - art. 3º) e impôs a todos os entes da federação o dever de desenvolverem ações e serviços para a promoção, proteção, cura e recuperação da saúde (art. 23, II, art. 30, VII e art. 196).
 
Trata-se a saúde de direito imprescindível para a vida com dignidade. Não por outra razão, o constituinte definiu que as ações e serviços de saúde, sejam eles públicos ou privados, têm relevância pública.
 
No âmbito coletivo, não há dúvidas que diversas ações de saúde têm impacto coletivo. Sobretudo as ações promocionais e preventivas são direcionadas a todas as pessoas, bastando lembrar o papel da vigilância sanitária na fiscalização de produtos, estabelecimentos e alimentos, bem como das ações de vigilância epidemiológica no controle de vetores que atingem, indistintamente, as pessoas.
 
A complexidade dos tempos atuais impede o estabelecimento de um apartheid na saúde, já que diversos agravos atingem indistintamente os membros das diversas classes sociais e devem ser tratados como questão estratégica de Estado, como ocorreu, recentemente, com o controle das ações de enfrentamento da pandemia de gripe suína.
 
De mais a mais, é importante destacar que a seguridade social, composta por saúde, previdência e assistência social, assegurou aos necessitados, ou seja, carentes, a assistência social (art. 203 da CR/88). Não há na Constituição ou nas leis que tratam do sistema de saúde brasileiro qualquer dispositivo que estabeleça critério de renda para acesso às ações e serviços de saúde. Pelo contrário, a recente LC 141/12 apenas admite como gasto público em saúde aquele que for feito para ações e serviços de acesso universal.
 
Assim sendo, a aprovação da PSV nº 4, que terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (art. 103-A da CR/88), constituirá grave inconstitucionalidade - já que restringe direito fundamental - e retrocesso de conquista social obtida a duras penas pela sociedade brasileira.
 
Apesar do longo tempo de tramitação, o procedimento continua ativo no STF. Esperamos que o Pretório Excelso, caso venha a examinar o tema, não deixe de reconhecer o caráter universal do direito à saúde, princípio basilar de nosso sistema de saúde.
 
Caso você queira ler mais sobre o princípio da universalidade das ações e serviços públicos de saúde, clique aqui para ter acesso a artigo de nossa autoria sobre o tema, publicado no Boletim do Instituto de Saúde de São Paulo.
 
Acompanhe o andamento da PSV nº 4  no STF.
 
 
 

sábado, 8 de setembro de 2012

CNS e Ministério Público propõem fórum de articulação para o controle social


Com o compromisso de atuarem juntos pela defesa do Sistema Único de Saúde, o Conselho Nacional de Saúde e o Ministério Público Federal pactuaram nessa terça-feira (4) uma proposta de agenda permanente de trabalho para que as duas instituições atuem cada vez mais em sinergia em prol do controle social, inspirando e estimulando suas redes nos estados e municípios para trabalharem de maneira articulada. Representando conselhos de saúde, plenárias, promotores e procuradores dos direitos do cidadão (regionais e federais), os cerca de 250 participantes aprovaram a criação de um Fórum Permanente de Articulação entre Conselho Nacional de Saúde e Ministério Público.
A proposta, que será submetida ao pleno do CNS, foi o resultado de dois dias de discussão e de construção de propostas durante o 1° Seminário Permanente de Articulação entre o Ministério Público e o Controle Social. Para o promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Gilmar de Assis, que coordena o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde, o ganho desses dois dias de trabalho foi substancial: “Conseguimos dialogar, compartilhar e construir estratégias de ação nesse espaço democrático do controle social”.
A partir de nove temas estrutura-se a agenda de trabalho permanente: competência e funcionamento dos conselhos de saúde, aperfeiçoamento funcional dos conselheiros de saúde, participação de promotores e procuradores nas reuniões ordinárias e extraordinárias dos conselhos de saúde, realização de Conferências de Saúde, prestação de contas dos conselhos de saúde, não conformidade das políticas públicas de saúde, recursos humanos, financiamento e terceirização.

O Fórum Nacional deverá contar com regimento, organização e competências próprias, mas sempre alinhadas aos princípios do SUS e do controle social. Também foi prevista a definição de diretrizes que orientarão o trabalho em comum. A ideia é realizar em seguida fóruns estaduais permanentes, que possibilitem que o MP e o controle social enfrentem juntos as dificuldades regionais. “Esta maior aproximação institucional com o Ministério Público nos dá mais respaldo, inclusive junto aos gestores”, avaliou o coordenador de plenária Gilson Aguiar, do Amazonas. Assim como outros conselheiros, ele contou que já estava planejando novas ações em escala regional para dinamizar a parceria com o Ministério Público.

Perspectivas e desafios

Chegar a uma agenda que se desdobre em resultados concretos foi uma preocupação manifestada por todos os participantes. “Para isso é preciso estabelecer prioridades entre as propostas aprovadas na 14ª Conferência de Saúde”, ressaltou o conselheiro nacional Clóvis Boufleur, que reforçou ainda a importância de divulgar mais informações sobre o SUS e garantir a todos o acesso a serviços de saúde. “Toda pessoa tem direito à informação”, resumiu, destacando que, em busca de cada vez mais transparência e capacidade de prestar contas à sociedade, o CNS reforçou, por meio da Resolução 454, o compromisso de acompanhar as diretrizes da 14ª Conferência Nacional de Saúde. Ele também destacou a importância do Sistema de Acompanhamento dos Conselhos de Saúde (Siacs) como ferramenta de informação e transparência.

Tanto representantes do judiciário quanto dos conselhos enfatizaram que não cabe ao Ministério Público tomar para si a missão de fazer controle social e que a judicialização da saúde só deveria ser uma solução de última instância. Entre os desafios, os participantes consideraram que é preciso ir além do denuncismo e validar as decisões tomadas nas conferências, de modo a garantir que elas tenham respaldo em processos democráticos.

“O Ministério Público poderia participar das conferências, elaborando um documento final corroborando que as deliberações são legítimas, e também comprometendo-se a revisitar as propostas das conferências junto com os conselhos, de modo a acompanhar essas agendas”, sugere o conselheiro Clóvis Boufleur. Ele lembrou que o seminário com o Ministério Público coaduna-se com a segunda diretriz da 14ª Conferência Nacional de Saúde, que prevê encontros setoriais e a articulação do CNS com outras áreas de controle, citando, inclusive o Ministério Público.