A escassez de recursos tem sido, desde 1988, o
principal argumento dos governos para a lenta implementação do Sistema Único de
Saúde - SUS - tal qual proposto na Constituição, como instrumento de garantia
de acesso universal, integral e igualitário à saúde.
Embora seja claro o subfinanciamento do setor
saúde no Brasil e legítima a bandeira de busca de recursos suficientes e fontes
estáveis, Telma Maria Gonçalves Menicucci, Doutora em Ciências Humanas,
professora do Departamento de Ciência Política da UFMG, em artigo
sobre a implementação da reforma sanitária brasileira, chama atenção para o
fato de que "o processo de implementação da reforma da política de saúde
não é simplesmente a tradução concreta de decisões, mas um processo ainda de
formulação da política de saúde", em virtude do que diversos fatores
"funcionaram como constrangimentos à implementação completa da reforma nos
termos de seus formuladores".
Antecipando a lógica de que a insuficiência de recursos
limita a efetivação do direito à saúde, a autora trata o financiamento
como forma de inviabilização sistêmica.
Oportunos são os seguintes esclarecimentos:
“Às deficiências do financiamento têm sido
creditadas as principais dificuldades para a implantação do SUS. Em um contexto
de programas de estabilização e de ajuste fiscal, caracterizado por cortes nas
despesas públicas, particularmente, nos gastos sociais, tornou-se sedutor
atribuir a esse panorama geral a deficiência de recursos para a viabilização do
SUS.
Reconhecendo esses constrangimentos, cabe indagar
em que medida havia de fato a intenção governamental de implantar os
dispositivos formais da política de saúde, mas que seria inviabilizada pelas
limitações financeiras. O argumento desenvolvido neste artigo é que mesmo não
negada no discurso, nem mesmo tendo sido objeto de uma redução programática, a
atenção à saúde universal e igualitária foi objeto de veto implícito e de
inviabilização sistêmica, por analogia com a noção de redução sistêmica das
políticas do estado de bem-estar, utilizada por Pierson (1994). Com essa
expressão, Pierson refere-se às estratégias indiretas para a redução de
políticas cujas conseqüências são sentidas apenas em longo prazo e que parecem
ter sido muito mais importantes nas tentativas de desmantelamento do Estado de
bem-estar do que nos esforços de redução programática explícita dos programas
sociais.
A ausência de mecanismos efetivos e estáveis para
o financiamento do SUS funcionou como um mecanismo indireto para a redução de
seu alcance e efetividade mesmo que no discurso dominante, em geral, não são
questionados os fundamentos básicos do SUS.” (MENICUCCI, Telma Maria Gonçalves. Implementação da Reforma Sanitária: a formação de uma política. Saúde e
Sociedade, vol. 15, n. 2, p. 72-87, mai-ago 2006)
Com tais esclarecimentos, fica fácil perceber que
os obstáculos enfrentados para a implementação da política de saúde são ainda maiores
e que lutar pela efetivação do direito fundamental à saúde, tal qual concebido
na Constituição, é travar uma batalha por uma política contra-hegemônica.
Pois é, implementar também exige escolhas. Escolhas que determinam a possibilidade de efetivação do disposto na constituição. Escolhas como o quanto gastar em saúde.
ResponderExcluirÉ claro que a questão da saúde não é só de financiamento, mas a efetivação do direito é sem dúvida limitada pelas escolhas orçamentárias.
Lendo esse artigo fiquei mais convencido de que o controle de políticas públicas promovido atualmete pelo Judiciário não tem um perfil tão contra-hegemônico quanto aparenta. Isso pelo fato de ser incapaz de alcançar (controlar) as decisões mais determinantes.
É plausível pensar o Judiciário escolhendo (controlando) o quanto gastar em saúde?
Abraço
Tiago
PS: Viu essa reportagem da época:
http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2012/03/o-paciente-de-r-800-mil.html
Tiago, agradeço pela visita. Acredito que o Poder Judiciário, em ação coletiva, pode ao menos impor a aplicação dos recursos mínimos constitucionalmente exigidos ao Poder Público. E, ingessando na qualidade do gasto, aferir se ele realmente se adequa ao conceito de ações e serviços públicos de saúde, o que ficou mais facilitado hoje em dia em função da regualmentação da EC 29/2000. Acredito que a defesa da saúde e a implementação dos direitos sociais exige a luta em diversos campos e, de fato, a batalha processual não deve excluir outras. Nesse passo, penso que o MP tem importante papel na mobilização da sociedade e na mediação de conflitos sociais. Quanto à reportagem, a imprensa retorna ao conflito individual x coletivo. O problema é que, na maioria das vezes, a discussão é simplista e são expostos casos em que há uma distorção dos conceitos, levando a conclusões do tipo "judicialização é um mal". Abraço.
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