quarta-feira, 9 de maio de 2012

Saúde e necessidades

O post anterior gerou um debate muito enriquecedor com meu amigo, Dr. Antônio Joaquim, no facebook. Procurador de Justiça da Procuradoria de Justiça especializada na defesa de Direitos Difusos em Minas Gerais e ex-coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde de Minas Gerais - CAO-Saúde, o amigo me fez as seguintes provocações:

"Quem define quais são as necessidades? O Leviatã? Os "científicos"? Acho que os interesses e influências são inevitáveis. O importante é identificar quais são os interesses e decidir informado. Muitas vezes somos manipulados por interesses cuja origem, e direção, desconhecemos..."

Os questionamentos do colega interlaçam Estado, ciência e mercado. E, quanto ao Estado, ainda podemos analisá-lo sob o aspecto de suas instituições (estrutura normativa) ou de seus agentes, verdadeiros atores sociais, com interesses próprios, não necessariamente coincidentes com os interesses da população ou mesmo do grupo de sustentação do governo. Tema complexo para um blog e para minha formação e conhecimentos limitados.

Entretanto, partindo da compreensão da política de saúde prevista na Constituição e normatizada também na Lei 8080/90 (lei orgânica da saúde), parece-me possível encontrar algumas respostas, inclusive com legitimidade, sobretudo levando em conta que as normas constitucionais sobre saúde resultaram de ampla mobilização popular durante o período da redemocratização do país, culminando com a constituinte.

Nesse rumo, a definição da saúde como direito fundamental (art. 6º), impõe sua correlação com o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). De outro lado, a cláusula de universalidade (a saúde é direito de todos, nos termos do art. 196) leva-nos à inexorável conclusão de que a todos assiste igual direito em abstrato.

Certo que todos têm direito à saúde para a vida com dignidade. Mas em termos práticos, como fica a questão no âmbito individual e coletivo, sobretudo porque a Constituição também garante a integralidade do acesso às ações e serviços de saúde (art. 196, caput, e art. 198, II)?

Dentre os princípios postivados na lei 8080/90, encontra-se a noção de resolutividade (art. 7º, XII). Ora, até o nível da solução da damanda individual, não há dúvida quanto à garantia do direito, sob pena de se transgredir direito fundamental e o próprio princípio da dignidade da pessoa humana. Tal diretriz de interpretação parece conciliar, ainda, eventual conflito individual versus coletivo.

No plano coletivo, a definição das necessidades ganha relevância para a alocação dos escassos recursos públicos investidos na área de saúde. De novo, buscamos orientação na Lei 8080/90, que dispõe no art. 7º, VII, o princípio de "utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática". Aqui, a busca de indicadores epidemiológicos traz luzes para o administrador público que queira programar a despesa pública de forma eficiente, como, aliás, exige o texto constitucional (art. 37, caput). Trata-se, em verdade, de uma maneira de promover a Justiça distributiva, que nos remonta a Aristóteles e sua Ética a Nicômaco: os maiores beneficiados na distribuição dos bens sociais devem ser aqueles que mais necessitam.

Entretanto, aqui caminho para a política, autores desta área têm considerado que a implementação de políticas públicas, mesmo quando já objeto de farta normatização, como a saúde, não é tarefa puramente burocrática, com êxito dependente apenas de esmero nas atividades burocráticas. Ao revés, também na implementação há um intensa disputa entre os grupos interessados na área e afetados pelas decisões políticas, havendo necessidade de contínua negociação e, por vezes, de se fazer concessões.

Na saúde, setor que desperta grande interesse econômico como ressaltamos no post anterior, não se pode desconhecer da lógica do capitalismo: criação de necessidades para venda de produtos. Se é assim, o próprio discurso científico pode não ser confiável, posto que influenciado pela indústria.

Acerca do desvirtuamento do uso de medicamentos, eis o que nos fala Fernando Lefevre, Professor Titular da Faculdade de Saúde Pública da USP:

"No plano individual, toma-se remédio para parar de fumar, emagrecer, aumentar ou desencadear a potência sexual, dormir, aumentar resistência física, poder comer e beber à vontade, dirigir caminhão a noite toda, abortar e para tantas outras coisas que não são doenças." (LEFEVRE, Fernando. Medicamento, lógica de mercado e interesse público. Revista de Direito Sanitário, vol. 3 n. 3, São Paulo, novembro de 2002).

Não dá ainda para deixar de lembrar dos exemplos graves de Marcia Angell, professora do Departamento de Medicina Social da Universidade de Harvard:

“Na minha opinião, nós nos tornamos uma sociedade hipermedicada. Os médicos infelizmente foram muito bem treinados pela indústria farmacêutica, e o que aprenderam foi a pegar o bloco de receituário. Acrescente-se a isso o fato de que a maioria dos médicos está muito pressionada em termos de tempo, em decorrência das exigências das administradoras de planos de saúde, e podem pegar aquele bloco com grande rapidez. Os pacientes também aprenderam muito com os anúncios da indústria farmacêutica. Eles aprenderam que, a não ser que saiam do consultório médico com uma prescrição, o médico não está fazendo um bom trabalho. O resultado é que gente demais acaba por tomar medicamentos quando pode haver modos melhores de lidar com seus problemas.” (ANGELL, Marcia. A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos. São Paulo: Record, 2007)


Assim, concluo o post para dizer que, embora tenhamos um quadro normativo, fruto de consenso social apontando para a necessidade indivudal na linha da resolutividade e a necessidade coletiva orientada por indicadores epidemiológicos, não se pode esquecer dos interesses eventualmente pouco visíveis dos atores políticos e econômicos aptos a influenciar governos e desviá-los daquilo que se aproxima do interesse público.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Saúde e mercado

O setor saúde - aqui nos referimos à saúde pública e à saúde suplementar e privada - movimenta vultosas quantias, tratando-se, assim, de área que desperta grande interesse econômico. Para se ter uma idéia, os americanos gastam US$ 200 bilhões por ano apenas com medicamentos vendidos com prescrição médica e esse gasto cresce à proporção de 12% ao ano, segundo informações de Marcia Angell, ex editora-chefe do New England Journal of Medicine e professora do departamento de medicina social de Harvard, no livro A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos, Editora Record, 2007.
As escolhas adotadas pelos governos, dessa forma, têm grande impacto para as atividades de poderosos grupos econômicos, podendo gerar maiores custos ou, até mesmo, limitá-las. Nessa linha, decisões como adotar um sistema nacional de saúde, desenvolver política de medicamentos genéricos ou regular com rigor o mercado de planos e seguros de saúde não passam despercebido pelos grupos de interesse e são objeto de lobby e pressão aos governos.

Segundo Marcia Angell, no mesmo livro:

“A indústria farmacêutica é, de longe, o maior lobby em Washington – e isso já diz muito. Em 2002 ela empregava 675 lobistas (mais que um para cada membro do Congresso) – muitos dos quais haviam sido atraídos de 138 firmas de lobby em Washington a um custo que excedia US$ 91 milhões.”

Michael Moore, no filme Sicko - SOS Saúde, também demonstra como a influência econômica dos grupos do setor saúde interferiu nas decisões do governo americano, que desistiu da estratégia de implementação de um sistema universal de saúde.

Abaixo o trailler:



Além disso, também no plano individual, a ação da indústria da área de saúde, como os laboratórios farmacêuticos, é agressiva para atingir os objetivos de maior lucratividade. Vale tudo como dar presentes, viagens e congressos em lugares paradisíacos para médicos com o objetivo de que prescrevam seus produtos ou promover marketing direto ao consumidor, disseminando a automedicação e a crença de que medicamentos são sinônimo de saúde.

Sobre o assunto, Marcia Angell, na obra já citada, trata a influência dos laboratórios sobre os médicos como forma de suborno e afirma que:

“As conferências geralmente tomam apenas algumas horas durante a manhã, com bastante tempo de sobra para jogar golfe ou esquiar à tarde, e jantares elegantes e entretenimento à noite. Chamar isso de informação, consultoria, pesquisa de mercado ou uma combinação dessas três, mas não de marketing, faz com que os laboratórios não precisem se preocupar com as leis contra o suborno.”

A falta de ética nesse campo também não passou despercebida por Dalmo Dallari:

“A busca de maior ganho, sem qualquer limitação ética, observando apenas as leis de mercado, transformou em mercadoria a própria pessoa humana, seus órgãos e seus componentes, fazendo-se também o comércio, sem considerações éticas, dos cuidados de saúde, dos medicamentos e de tudo que é fundamental para a preservaçào da integridade física e mental da pessoa humana.”[1]

A seguir, o autor enfatiza que:

“(...) a sonegação e o jogo de mercado, os preços exorbitantes, as mentiras sobre as qualidades dos produtos, as falsificações, a propaganda enganosa ou inadequda visando estimular o consumo mesmo que inadequado, o suborno direto ou indireto de autoridades públicas, de empresários e profissionais da saúde e tudo o mais que faz parte da competição econômica está muito presente na área da saúde. Evidentemente, nesse jogo, ninguém leva em conta a existência da ética.”[2]

Assim, nesse plano, o operador do Direito, especialmente o membro do Ministério Público, o Defensor Público e o Magistrado, devem ter redobrado cuidado com prescrições unilaterais apresentadas pela parte afirmando a necessidade de certo tratamento ou prescrição. Antes de agir e decidir, o ideal, a nosso aviso, é ao menos aferir a real necessidade do que se pleiteia e a existência de estudos que comprovem sua eficácia e segurança.

Todo esse quadro, no qual a saúde se tornou puramente uma mercadoria, exige que operadores do Direito, usuários, gestores e profissionais de saúde estejam atentos às interferências e formas anti-éticas de atuação do mercado no setor saúde, com o objetivo de assegurar a efetividade do direito à saúde no interesse da população e não dos grupos econômicos.


[1] DALLARI, Dalmo de Abreu. Ética sanitária. In BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Direito sanitário e saúde pública. Vol. 1: Coletânea de textos. Brasília: Ministério da Saúde, 2003. p 72.
[2] DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit. p. 80.

domingo, 15 de abril de 2012

Liberdade, solidariedade e saúde: a reforma do modelo dos EUA

Transcreve-se, abaixo, artigo em que Ronald Dworkin discute processo em que a Suprema Corte dos EUA examinará a constitucionalidade das medidas propostas por Obama, já aprovadas pelo congresso, visando a reforma do sistema de saúde.
A discussão evidencia tensões entre liberdade e solidariedade na reforma daquele sistema de saúde, a qual busca estender cobertura a pessoas que não dispõem de atenção à saúde.
A leitura ainda nos faz valorizar o sistema brasileiro, já que aqui, desde de 1988, há um sistema nacional de saúde, com garantia de acesso universal, igualitário e integral.
Why the Health Care Challenge Is Wrong


The Supreme Court’s hearings in the health care case, Department of Health and Human Services v. Florida, over a nearly unprecedented three days of oral argument, generated all the attention, passion, theater, and constant media and editorial coverage of a national election or a Super Bowl. Nothing in our history has more dramatically illustrated the unique importance of courtroom drama in American government and politics as well as entertainment.

The plaintiffs have asked the Court to declare the Affordable Care Act (the Act) unconstitutional. The political and social stakes are enormous, but the legal issues, most analysts think, are not really controversial: the Constitution’s text, the Supreme Court’s own precedents, and basic constitutional principle seem obviously to require upholding the act. Many legal scholars predicted a 7-2 decision rejecting the challenge. But they apparently misjudged the dedication of the ultra conservative justices, whose questions in the oral argument have now convinced most commentators that on the contrary, in spite of text, precedent and principle, the Court will declare the Act unconstitutional in June, by a 5-4 vote.

That prediction may be too swift. There are reasons at least to hope that Justice Anthony Kennedy, often the swing vote between liberals and ultra conservatives, will have sufficient respect for Congressional authority to save the Act. (I discuss these reasons in an expanded version of this piece, which will appear in a coming issue of The New York Review.)

The prospect of an overruling is frightening. American health care is an unjust and expensive shambles; only a comprehensive national program can even begin to repair it. If the Court does declare the Act unconstitutional, it will have ruled that Congress lacks the power to adopt what it thought the most effective, efficient, fair, and politically viable remedy—not because that national remedy would violate anybody’s rights, or limit anyone’s liberty in ways a state government could not, or would be otherwise unfair, but for the sole reason that in the Court’s opinion the strict and arbitrary language of an antique Constitution denies our national legislature the power to enact the only politically possible national program.

It is only a specific provision of the Act that is now under serious constitutional challenge. The Act provides, among other benefits, health care insurance for the 16 percent of citizens who now lack it, and it forbids insurance companies to deny coverage or charge higher premiums for those who have a preexisting illness or incapability. These obviously just benefits cannot be provided, however, unless all citizens—the young and healthy as well as the elderly and already sick—join the insurance pool. If only those likely to need treatment seek to join, the insurance companies would need to charge astronomic premiums that most of them simply could not afford.

The premise of all social insurance plans, including the Social Security program, is that inescapable risks should be shared across a political community between those more and those less at risk. The Act follows this principle; it provides that with few exceptions Americans who are not insured by their employers or by other government programs must purchase insurance themselves or, if they do not, pay what the Act calls a “penalty” on their tax return.

It is this so-called “mandate” that the plaintiffs in this case—26 states with Republican governors, a group of businesses and some private citizens—challenge as unconstitutional. They say that although the Constitution gives Congress the power to limit or forbid commercial activity that has a significant impact on the national economy, it denies Congress power to require commercial activity, like buying health insurance, even when that activity is crucial to the national economy. That distinction between negative and positive regulation—between dictating the terms of insurance and requiring people to buy insurance—is the heart of the constitutional challenge. It was treated as potentially decisive by all the conservative justices who spoke: Justice Kennedy, for instance, asked whether the mandate doesn’t “create” commerce rather than regulate it. Why is the difference between restricting and requiring activity so important?

Not because the language or underlying principles of the Constitution demand that distinction. The Constitution’s architects were guided by a principle that makes the distinction irrelevant: that Congress should be assigned only those powers that could not effectively be reserved to the states. They believed that if the effects of a particular political decision would be felt only or mainly within a particular state, that decision should be made by that state because decisions by state officials would be more sensitive to local needs and local opinion. But if some matter could only sensibly be settled at the national level, like decisions about foreign trade or the terms of trade among citizens of different states, then the principle required that Congress have the power to decide it. That test can be applied without distinction to both negative and affirmative regulation.

Why do the conservative justices nevertheless think that distinction so crucial? They offer only one reason: they say that if Congress can make people buy insurance then it can make them buy anything it wishes. Why could Congress not make people buy electric cars to reduce pollution? Or join health clubs to improve the nation’s health? Or buy broccoli to keep broccoli prices high? All the conservative justices who participated in the oral argument pressed these questions. They said they could not uphold the insurance mandate unless they found what they called a “limiting” principle and, they suggested, none could be found.

The government’s lawyer, Solicitor General Donald Verrilli, offered several ways to distinguish health care from electric cars and broccoli. He said, first, that people do not have to buy cars or broccoli but almost everyone, eventually, has to receive health care. No one doubts that Congress could require patients to pay for any medical service they require through insurance, so that uninsured heart attack victims who wanted hospital treatment would have to buy insurance in the ambulance, presumably from paramedics trained also to sell it. Why can’t Congress avoid that ridiculous prospect by requiring people to have insurance in advance?

His second argument was even stronger. Every American already has health insurance; the mandate only requires that he pay for his insurance rather than free-loading on those who do pay. A federal statute and several state statutes require hospitals to provide emergency medical care to people who cannot pay for it, and America’s traditions of compassion mean that doctors will not let people die in pain when they can easily save or help them. In practice, this means that the uninsured will go to costly ER facilities when they need medical help. Congress found that health care for uninsured patients cost $43 billion in 2008; these costs were paid, through higher premiums, by those who do buy insurance.

Congress surely has the power to make people pay for what, out of human decency, the law and practice provide for them. Since it is impossible to predict who will suffer a grave accident or fall victim to a terrible disease, and since almost no one without insurance can pay for adequate care if he does, the only effective means of making people bear the actual costs of their own treatment is to require them to buy insurance in advance.

These are effective replies to the single conservative argument: they distinguish health care and insurance from broccoli and electric cars, and so offer a “limiting principle” of the kind the conservative justices say they want. There is, however, a deeper, more comprehensive objection to their argument: no limiting principle is either necessary or desirable. Their argument conflates two questions.

First, what power does any American legislature have to coerce people to buy what they do not want? Second, if any such coercive power exists, how is that power to be allocated between the state and national legislatures? Once we distinguish these questions we see that the conservatives’ distinction Congress regulating the price and terms of health insurance and making people buy that insurance is pointless.

The rhetorical force of their examples, about making people buy electric cars or broccoli, depends on a very popular but confused assumption: that it would be tyrannical for any government to force its citizens to buy what they do not want. In fact both national and state governments steadily coerce people to do just that through taxation: they make them buy police and fire protection and to pay for foreign wars whether they want these or not. There is no reason in political principle why government should not make people pay directly for these services through insurance rather than indirectly through the mechanics of taxation: direct payment would be no greater compromise of freedom. In fact Massachusetts does make people buy health insurance: that mandate is at the core of that state’s health care program, on which the national Act was partly based. Almost no one—apart from Michele Bachmann—has argued that the Massachusetts mandate is unconstitutional.

So we may ask: is there a constitutional limiting principle that would allow Massachusetts to impose that mandate but prevent it from requiring its residents to join health clubs or buy broccoli? There are of course constitutional limits to any power of government. Neither the indirect mandate of taxation nor any more direct mandate may be discriminatory or irrational, neither may deny due process, and each must serve some proper purpose of government. But are there any special limiting principles that would prohibit a state requiring broccoli purchase in a rational and fair way?

No. We are protected from silly state mandates not because the Constitution rules them out but because politics does. No state legislature would dare to make broccoli purchase compulsory unless, for some hard-to-imagine reason, this was plainly the only way to avert some economic catastrophe. The role of democratic politics in protecting citizens against legislative corruption or stupidity does not depend on whether the legislature wants to require or forbid economic activity, however. Voters would be no less outraged by a state legislature’s decision to ban automobiles altogether than by its decision to make them buy electric cars.

If we do not need a limiting constitutional principle to stop a state from outrageous economic legislation, we do not need any such principle to stop the national Congress, within its proper sphere, either. The Court can allow Congress, as it allows Massachusetts, to mandate health insurance without finding a constitutional barrier to a national compulsory broccoli purchase. Politics supplies the appropriate check in both cases. So we must turn to the genuinely important question, the second question I distinguished. What is Congress’s proper sphere of control in health care matters?

We answer by consulting the principle I described: the principle of state control over local matters. Neither the Constitution’s language nor that principle distinguishes between negative and positive regulation of commerce, between prohibition and mandate. The principle does require that Congress show that the commerce it seeks to regulate has a profound impact on the national economy. National regulation of health care plainly passes that test.

We cannot ignore the political dimension of this case. The Republican Party and the candidates for its presidential nomination relentlessly denounce the Act, perhaps largely because it was one of President Obama’s main domestic achievements during his first term. They hope that the conservative justices will declare the Act unconstitutional in June, just as the primary season ends and the national presidential campaigns get under way; they think that will help them defeat the President in November. But the Act is plainly constitutional and it will be shaming if, as so many commentators now expect, those justices do what Obama’s enemies hope they will.

Our recent history is marred by a number of very badly reasoned Supreme Court decisions that, deliberately or not, had a distinct partisan flavor: Citizens United, for example, which, most critics agree, has already had a profound and destructive impact on our democratic process. Those decisions soiled the Court’s reputation and harmed the nation. We must hope, though perhaps against the evidence, that the Court will not now add to that unfortunate list.

terça-feira, 10 de abril de 2012

MP resolutivo e efetivação do direito à saúde

Felipe Dutra Asensi, cientista social e advogado, pesquisador do Laboratório de Pesquisas sobre Práticas de Integralidade em Saúde (LAPPIS/UERJ), em artigo publicado na revista Physis - Revista de Saúde Coletiva, dá nova dimensão ao fenômeno de intervenção dos operadores do Direito nas políticas de saúde, ressaltando a atuação do Ministério Público, sobretudo no plano extrajudicial.

Em suas considerações finais, destaca:

"(...) a positivação do direito à saúde como um direito fundamental na Constituição de 1988 enseja avanços e novos desafios jurídicos, culturais, políticos, sociais e econômicos para sua efetivação. Como visto, a tensão inerente aos direitos sociais e, particularmente, ao direito à saúde, consiste na dicotomia existente entre os direitos garantidos formalmente e os conflitos implícitos à sua efetivação no cotidiano das práticas dos atores sociais. Isso permite a inserção das instituições jurídicas nesse processo, seja na judicialização, seja na juridicização das relações sociais.

No contexto brasileiro, o Ministério Público recebeu destaque enquanto instituição jurídica envolvida no processo de efetivação da saúde enquanto direito. De uma maneira geral, o MP desenvolve a capacidade institucional de criar um espaço de diálogos ao possibilitar a comunicação entre os principais atores que compõem o processo de formulação, gestão e fiscalização das políticas públicas em saúde. A atitude ativa e dialógica que alguns membros do MP adotam permitiu resultados positivos na horizontalização da relação entre Estado e sociedade, sobretudo porque permite pensar em novos arranjos institucionais que não necessariamente conduzem à judicialização das demandas em saúde. Isso tem permitido ao MP superar uma lógica de efetivação centrada no juiz e propor outras alternativas de atuação calcadas na ideia de juridicização das relações sociais.

Daí a ideia ênfase de um contexto de juridicização das relações sociais, e não somente de judicialização. Num contexto de juridicização, é possível afirmar que as demandas são discutidas sob o ponto de vista da sua institucionalidade jurídica, embora não se procure levá-las a um contexto litigioso judicial. A ideia de juridicização da saúde propicia a consolidação de respostas concretas às necessidades relacionadas a este direito por intermédio da constituição de uma vontade comum, que é pactuada a partir da convergência de diversos saberes e práticas. Isso reconfigura e tensiona a própria perspectiva de judicialização das relações sociais e ressalta, de forma bastante inovadora, as atuações extrajudiciais também como estratégias adotadas pelas instituições jurídicas. O âmbito extrajudicial inaugura e confere realce a outros personagens que, em virtude de suas estratégias de ação, são decisivos na efetivação de direitos sociais.

O estabelecimento de estratégias extrajudiciais – tais como o Termo de Ajustamento de Conduta, recomendações, inquéritos civis ou até mesmo a intervenção verbal por meio de um simples telefonema – tem evidenciado que a atuação do MP de forma judicial é apenas a ponta do iceberg do potencial que possui para a efetivação de direitos.

No que concerne a esta questão, o MP tem enfatizado a efetividade do direito à saúde, ou seja, o estabelecimento de estratégias para a ampliação de sua eficácia social. Ao partir do pressuposto de que o direito existe para se realizar, a ideia de efetividade significa o desenvolvimento concreto da função social do direito. Tal perspectiva tem buscado justamente se debruçar sobre a dimensão fática do direito por meio de sua eficácia social, ou seja, a possibilidade de produzir efeitos concretos no cotidiano das práticas dos atores sociais. Assim, não se reduz à mera afirmação deste direito enquanto norma constitucional, na medida em que se busca incorporar caracteres sociais e de cidadania em seu conteúdo e no estabelecimento de estratégias de efetivação. Desta forma, cada vez mais as instituições jurídicas têm desenvolvido ações e estratégias que produzem reflexos diretos na formulação e execução das políticas públicas em saúde."

Vale a pena conferir o texto integral.

domingo, 1 de abril de 2012

Contradições na implementação do SUS


A escassez de recursos tem sido, desde 1988, o principal argumento dos governos para a lenta implementação do Sistema Único de Saúde - SUS - tal qual proposto na Constituição, como instrumento de garantia de acesso universal, integral e igualitário à saúde.

Embora seja claro o subfinanciamento do setor saúde no Brasil e legítima a bandeira de busca de recursos suficientes e fontes estáveis, Telma Maria Gonçalves Menicucci, Doutora em Ciências Humanas, professora do Departamento de Ciência Política da UFMG, em artigo sobre a implementação da reforma sanitária brasileira, chama atenção para o fato de que "o processo de implementação da reforma da política de saúde não é simplesmente a tradução concreta de decisões, mas um processo ainda de formulação da política de saúde", em virtude do que diversos fatores "funcionaram como constrangimentos à implementação completa da reforma nos termos de seus formuladores".

Antecipando a lógica de que a insuficiência de recursos limita a efetivação do direito à saúde, a autora trata o financiamento como forma de inviabilização sistêmica.

Oportunos são os seguintes esclarecimentos:

“Às deficiências do financiamento têm sido creditadas as principais dificuldades para a implantação do SUS. Em um contexto de programas de estabilização e de ajuste fiscal, caracterizado por cortes nas despesas públicas, particularmente, nos gastos sociais, tornou-se sedutor atribuir a esse panorama geral a deficiência de recursos para a viabilização do SUS.

Reconhecendo esses constrangimentos, cabe indagar em que medida havia de fato a intenção governamental de implantar os dispositivos formais da política de saúde, mas que seria inviabilizada pelas limitações financeiras. O argumento desenvolvido neste artigo é que mesmo não negada no discurso, nem mesmo tendo sido objeto de uma redução programática, a atenção à saúde universal e igualitária foi objeto de veto implícito e de inviabilização sistêmica, por analogia com a noção de redução sistêmica das políticas do estado de bem-estar, utilizada por Pierson (1994). Com essa expressão, Pierson refere-se às estratégias indiretas para a redução de políticas cujas conseqüências são sentidas apenas em longo prazo e que parecem ter sido muito mais importantes nas tentativas de desmantelamento do Estado de bem-estar do que nos esforços de redução programática explícita dos programas sociais.

A ausência de mecanismos efetivos e estáveis para o financiamento do SUS funcionou como um mecanismo indireto para a redução de seu alcance e efetividade mesmo que no discurso dominante, em geral, não são questionados os fundamentos básicos do SUS.” (MENICUCCI, Telma Maria Gonçalves. Implementação da Reforma Sanitária: a formação de uma política. Saúde e Sociedade, vol. 15, n. 2, p. 72-87, mai-ago 2006)

Com tais esclarecimentos, fica fácil perceber que os obstáculos enfrentados para a implementação da política de saúde são ainda maiores e que lutar pela efetivação do direito fundamental à saúde, tal qual concebido na Constituição, é travar uma batalha por uma política contra-hegemônica.