quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Saúde, controle social e Ministério Público


O movimento da reforma sanitária brasileira, que tomou corpo, principalmente, na década de 1970, mais que promover a crítica do modelo de atenção que vinha sendo adotado no Brasil e propor alternativas sob a influência da teoria dos determinantes sociais, tratou-se também de um movimento de articulação política, que se associou aos demais grupos que questionavam o regime militar. Nesse sentido, suas propostas enfatizavam a democratização da gestão e o empoderamento da população para participar das decisões sobre a saúde. Tratava-se de politizar, sobretudo a partir do âmbito local.

Nesse sentido, a idéia de participação da comunidade e, consequentemente, de controle social, está presente nas propostas reformistas desde seu início. Referida diretriz reflete a intersetorialidade da articulação em prol da saúde, que mobilizava diferentes categorias e segmentos da sociedade e da economia.

Assim, a participação da comunidade é princípio do SUS, conforme o art. 198, III da Constituição. Referido princípio permeia a gestão da saúde e sua primeira disciplina encontra-se na lei 8142/90. Nesta lei, estão previstos os seguintes mecanismos institucionais de participação: os Conselhos de Saúde, de caráter permanente e deliberativo, e as Conferências de Saúde, convocadas periodicamente para definição das prioridades e estratégias de gestão.

Outro importante foro para participação popular são as audiências públicas para prestação de contas do gestor, as quais devem ocorrer quadrimestralmente nas respectivas casas legislativas (câmaras municipais, assembléias legislativas e congresso), conforme exigência da Lei complementar 141/12.

De seu turno, o Ministério Público, cujo perfil institucional foi redefinido pela Constituição de 1988, tem como deveres a defesa ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127).

Na sua missão de defender a democracia, deve o Ministério Público, ao velar pela observância dos direitos consagrados na Constituição, e, dentre estes, a saúde, aproximar-se da população, fomentar sua participação na gestão pública e exercer verdadeira função pedagógica para o exercício da cidadania.

Com efeito, apenas o verdadeiro soberano de todo o poder estatal - o povo, nos termos do art. 1º, par. único, da CR/88 - pode ditar os rumos do Estado, devendo fazer isso não apenas por meio de seus representantes, mas também diretamente, valendo-se dos mecanismos institucionais e das formas legítimas de manifestar seus interesses.

No que se refere à saúde, a par de todo o pano de fundo constitucional, vê-se que, desde as origens, essa política pública é marcada pela democracia, razão pela qual ultrapassa a simples disponibilidade de serviços a um usuário passivo. Na verdade, o usuário deve agir ativamente, já que a política pública deve refletir os seus anseios e necessidades e não o resultado de técnicas gestadas por burocratas. Com isso, a política de saúde cumpre papel decisivo para exercício da cidadania.

Nesse contexto, o Ministério Público apenas se desincumbirá de seu munus de defesa do direito à saúde se contribuir para o fortalecimento da participação da comunidade no SUS, seja verificando a regularidade formal e de funcionamento dos conselhos de saúde, a periódica realização de conferências de saúde e das audiências públicas, bem como aproximando-se dos movimentos sociais e contribuindo para o esclarecido exercício do direito.

Agindo dessa forma, velando pelo controle social, o Ministério Público, a um só tempo, contribuirá para a efetividade do direito à saúde, conforme a Constituição, e para o fortalecimento de nossa democracia.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Atacar o Promotor de Justiça é atentar contra a democracia

Faço uma pausa no blog para divulgar um texto sobre o lamentável fato ocorrido em Bom Despacho com o Promotor de Justiça Giovani Avelar Vieira, que teve seu veículo particular covardemente danificado.

 
Lamentavelmente, desde a colonização, o Brasil convive com dois fenômenos extremamente perniciosos para o progresso da nação: o patrimonialismo e o coronelismo. O primeiro caracteriza-se pela confusão entre o público e o privado, levando à utilização dos recursos do Estado pelas elites dirigentes. É pai da corrupção e de toda forma de improbidade administrativa. O segundo evidencia-se pelo controle do poder local por grupos que se valem da violência e da opressão contra seus opositores e se fortalece com a impunidade. Nos tempos modernos, o coronelismo que ainda resiste vê surgir nas áreas urbanas o crescimento de outras formas de poder paralelo, que são oriundas, principalmente, da criminalidade organizada e das milícias.

Em contraponto a esses fenômenos estão a república e a democracia. Umbilicalmente ligadas, república e democracia têm como consequências o fato de que os recursos financeiros e o patrimônio do Estado pertencem ao povo, a quem os governantes devem prestar contas. Além disso, o povo é o verdadeiro soberano e em seu nome deve ser exercida toda forma de poder. Todas as pessoas se submetem a esse poder, manifestado sob a forma da lei, que deve reger igualmente a todos, independente da classe social ou cargo que ocupe.

O Ministério Público é a instituição formatada pelo Estado brasileiro em 1988 para promover a justiça, servir a sociedade, defender a democracia e a república. Ao Promotor de Justiça incumbe fiscalizar o cumprimento da lei pelas pessoas, pelas empresas e até pelo próprio Estado, no interesse da população. Com isso, deve buscar a responsabilização daqueles que afrontam as leis.

O ataque ao patrimônio do Promotor de Justiça Giovani Avelar Vieira, ocorrido em Bom Despacho no último fim de semana, mais que provocar arranhões em seu veículo, atentou contra a sociedade, já que não se trata de querela pessoal ou vandalismo generalizado. Após anos de firme atuação na seara criminal, defendendo os interesses da sociedade, e de um destacado trabalho no processo eleitoral, em favor do regime democrático, trata-se de uma afronta ao membro do Ministério Público.

Talvez o povo ordeiro e acolhedor de Bom Despacho não saiba, mas fato idêntico aconteceu com a Promotora de Justiça Ana Carolina Tavares, quando esta passou pela comarca, o que torna a situação ainda mais grave.

Contudo, Dr. Giovani Vieira não se calará. O Ministério Público prosseguirá seu trabalho com a mesma firmeza, independência e equilíbrio, características do trabalho desse Promotor de Justiça. Sabe ele que são “bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados” (Mateus 5,6).

Continue firme e saiba que pode contar comigo nesse trabalho. Minha disposição não é apenas para contigo, mas para com o povo de Bom Despacho, destinatário de suas ações, cidade que passei a admirar depois de quatro anos de convivência. Estou ombreado com você, pois como já disse Jimmy Cliff: “eu prefiro ser um homem livre na minha sepultura, a ser um fantoche ou um escravo”.