Como destacamos no post anterior, acesso integral à saúde significa promover ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde; disponibilizar recursos dos diferentes níveis de complexidade - atenção primária, secundária e terciária - e atender o indivíduo de forma holística, ou seja, cuidar do mesmo em sua plenitude, abrangendo suas dimensões física, psíquica e social.
A Constituição de 1988 dispõe que as ações e serviços públicos de saúde, a par de se organizarem em sistema único - SUS -, integram uma rede regionalizada e hierarquizada.
A hierarquização dos níveis de atenção à saúde é objeto de crítica atual dos sanitaristas, que afirmam que o modelo piramidal não atende satisfatoriamente às necessidades da população, sobretudo em função do processo de envelhecimento e alta prevalência de doenças crônicas, as quais requerem cuidado multiprofissional e continuado. Salientam ainda que a hierarquização em níveis de atenção dá a falsa idéia de que a atenção secundária e terciária têm importância maior para a saúde pública que a atenção primária.
Em que pese tal crítica, a classificação dos níveis de atenção, com a advertência de que a mesma leva em consideração maior especialização de cuidados e crescente emprego de tecnologias duras, é de interesse para estudo da saúde pública.
Assim, tomando de início a atenção primária em saúde, damos início aos nossos breves comentários sobre o tema.
A atenção primária em saúde para as estudiosas da saúde coletiva, Lígia Giovanella e Maria Helena Magalhães de Mendonça, é assim conceituada:
"A atenção ambulatorial de primeiro nível, ou seja, os serviços de primeiro contato do paciente com o sistema de saúde, direcionados a cobrir as afecções e condições mais comuns e a resilver a maioria dos problemas de saúde de uma população, é em geral denominada Atenção Primária em Saúde." (Atenção Primária em Saúde. In Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. Ed. Fiocruz, 2009, p. 576)
Destacamos que a atenção primária em saúde se trata da porta de entrada preferencial do usuário no sistema de saúde - gatekeeper - e deve estar integrada com os demais serviços, exercendo função coordenadora dos cuidados. Os profissionais devem atender uma comunidade bem definida e criar vínculos com a mesma, permitindo conhecer suas necessidades. Estima-se que, funcionando de forma ideal, a atenção primária em saúde é capaz de resolver aproximadamente 85% das necessidades de saúde de uma população.
A atenção primária em saúde foi o caminho apontado pela OMS em 1978 na Conferência de Cuidados Primários em Saúde de Alma-Ata para se atingir a meta de saúde para todos.
No Brasil, a atenção primária surgiu na década de 1990 como alternativa de ampliação de acesso à saúde especialmente para pessoas em situação de grande vulnerabilidade social e residentes em regiões remotas do Brasil (Norte e Nordeste). Não estava integrada aos demais níveis de assistência à saúde. Nesse contexto, tinha objetivos restritos e baixa resolutividade, embora tenha tido mérito de aproximar os serviços de saúde de populações excluídas.
Com a denominação de atenção básica - a qual é bastante utilizada até hoje - adotou-se de modelo de atenção primária em saúde seletiva, baseada no ideário dos organismos econômicos internacionais, que propugnavam, nas décadas de 1980 e 1990 reformas do Estado Social e recuo nos gastos sociais pelos Estados.
A concepção de atenção primária em saúde passou a mudar no Brasil a partir do Programa Saúde da Família - PSF -, que posteriormente foi consagrado como estratégia preferencial. Com efeito, as equipes de saúde da família foram sendo progressivamente incrementadas, contemplando saberes diversos e afastando-se do modelo de cuidado centrado no cuidado médico. A par disso, a atenção primária em saúde deixou de ser focada em demandas específicas como combate da epidemia de cólera e da diarréia em geral, orientação para os cuidados infantis e vacinação.
Atualmente, é reconhecida a importância da atenção primária em saúde, que contempla ações de promoção e prevenção, tem sua atenção voltada para famílias e comunidades, objetiva a criação de vínculos entre profissionais e comunidades atendidas como forma de dispensar ao usuário cuidados de forma longitudinal. Com efeito, investimentos em atenção primária em saúde são os que produzem maior retorno para os gestores e impacto nos indicadores de saúde.
Dada a relevância da atenção primária em saúde, o Decreto 7508/11, que regulamentou a Lei 8080/90 conferiu expressamente à atenção primária em saúde o papel de coordenação dos cuidados dispensados aos usuários do SUS.
Em face do exposto, cabe aos gestores tomarem a atenção primária em saúde como prioridade, observadas, obviamente as diretrizes dos planos de saúde e o controle social.
Em face do exposto, não posso deixar de conclamar os membros do Ministério Público para que, a par de atenderem à enorme demanda espontânea e necessidades individuais do dia-a-dia da Promotoria de Justiça, verifiquem a resolutividade da atenção primária em saúde nos municípios e atuem junto aos gestores buscando seu adequado funcionamento, atentando, por exemplo, para a necessidade de cumprimento da jornada de 40 (quarenta) horas semanais pelos profissionais de saúde.
Mais informações sobre o assunto podem ser encontradas no site da Diretoria de Atenção Básica do Ministério da Saúde http://dab.saude.gov.br/ e no Plano Nacional de Atenção Básica http://dab.saude.gov.br/imgs/publicacoes/pactos/pactos_vol4.jpg, publicação que trata da matéria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário