domingo, 1 de abril de 2012

Contradições na implementação do SUS


A escassez de recursos tem sido, desde 1988, o principal argumento dos governos para a lenta implementação do Sistema Único de Saúde - SUS - tal qual proposto na Constituição, como instrumento de garantia de acesso universal, integral e igualitário à saúde.

Embora seja claro o subfinanciamento do setor saúde no Brasil e legítima a bandeira de busca de recursos suficientes e fontes estáveis, Telma Maria Gonçalves Menicucci, Doutora em Ciências Humanas, professora do Departamento de Ciência Política da UFMG, em artigo sobre a implementação da reforma sanitária brasileira, chama atenção para o fato de que "o processo de implementação da reforma da política de saúde não é simplesmente a tradução concreta de decisões, mas um processo ainda de formulação da política de saúde", em virtude do que diversos fatores "funcionaram como constrangimentos à implementação completa da reforma nos termos de seus formuladores".

Antecipando a lógica de que a insuficiência de recursos limita a efetivação do direito à saúde, a autora trata o financiamento como forma de inviabilização sistêmica.

Oportunos são os seguintes esclarecimentos:

“Às deficiências do financiamento têm sido creditadas as principais dificuldades para a implantação do SUS. Em um contexto de programas de estabilização e de ajuste fiscal, caracterizado por cortes nas despesas públicas, particularmente, nos gastos sociais, tornou-se sedutor atribuir a esse panorama geral a deficiência de recursos para a viabilização do SUS.

Reconhecendo esses constrangimentos, cabe indagar em que medida havia de fato a intenção governamental de implantar os dispositivos formais da política de saúde, mas que seria inviabilizada pelas limitações financeiras. O argumento desenvolvido neste artigo é que mesmo não negada no discurso, nem mesmo tendo sido objeto de uma redução programática, a atenção à saúde universal e igualitária foi objeto de veto implícito e de inviabilização sistêmica, por analogia com a noção de redução sistêmica das políticas do estado de bem-estar, utilizada por Pierson (1994). Com essa expressão, Pierson refere-se às estratégias indiretas para a redução de políticas cujas conseqüências são sentidas apenas em longo prazo e que parecem ter sido muito mais importantes nas tentativas de desmantelamento do Estado de bem-estar do que nos esforços de redução programática explícita dos programas sociais.

A ausência de mecanismos efetivos e estáveis para o financiamento do SUS funcionou como um mecanismo indireto para a redução de seu alcance e efetividade mesmo que no discurso dominante, em geral, não são questionados os fundamentos básicos do SUS.” (MENICUCCI, Telma Maria Gonçalves. Implementação da Reforma Sanitária: a formação de uma política. Saúde e Sociedade, vol. 15, n. 2, p. 72-87, mai-ago 2006)

Com tais esclarecimentos, fica fácil perceber que os obstáculos enfrentados para a implementação da política de saúde são ainda maiores e que lutar pela efetivação do direito fundamental à saúde, tal qual concebido na Constituição, é travar uma batalha por uma política contra-hegemônica.



2 comentários:

  1. Pois é, implementar também exige escolhas. Escolhas que determinam a possibilidade de efetivação do disposto na constituição. Escolhas como o quanto gastar em saúde.
    É claro que a questão da saúde não é só de financiamento, mas a efetivação do direito é sem dúvida limitada pelas escolhas orçamentárias.
    Lendo esse artigo fiquei mais convencido de que o controle de políticas públicas promovido atualmete pelo Judiciário não tem um perfil tão contra-hegemônico quanto aparenta. Isso pelo fato de ser incapaz de alcançar (controlar) as decisões mais determinantes.
    É plausível pensar o Judiciário escolhendo (controlando) o quanto gastar em saúde?

    Abraço

    Tiago

    PS: Viu essa reportagem da época:

    http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2012/03/o-paciente-de-r-800-mil.html

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    1. Tiago, agradeço pela visita. Acredito que o Poder Judiciário, em ação coletiva, pode ao menos impor a aplicação dos recursos mínimos constitucionalmente exigidos ao Poder Público. E, ingessando na qualidade do gasto, aferir se ele realmente se adequa ao conceito de ações e serviços públicos de saúde, o que ficou mais facilitado hoje em dia em função da regualmentação da EC 29/2000. Acredito que a defesa da saúde e a implementação dos direitos sociais exige a luta em diversos campos e, de fato, a batalha processual não deve excluir outras. Nesse passo, penso que o MP tem importante papel na mobilização da sociedade e na mediação de conflitos sociais. Quanto à reportagem, a imprensa retorna ao conflito individual x coletivo. O problema é que, na maioria das vezes, a discussão é simplista e são expostos casos em que há uma distorção dos conceitos, levando a conclusões do tipo "judicialização é um mal". Abraço.

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