segunda-feira, 30 de julho de 2012

Saúde e crise econômica

Desde a década de 1970, quando uma crise econômica se instala, muitos economistas e administradores defendem como medidas a redução do aparato estatal e dos impostos, bem como a revisão de políticas sociais. A justificativa é a diminuição de custos para aquecimento da economia.

Sobre as políticas sociais, é importante dizer que se trata da implementação de sistemas de proteção social com o objetivo de assegurar para a população condições de vida com dignidade, sobretudo para os mais pobres e para aqueles que são atingidos por eventos como doença, invalidez e velhice.

Já se disse que pensar é pensar diferente. Seguindo essa linha e fazendo contraponto ao discurso aparentemente hegemônico que se propala inclusive nos noticiários, penso que vêm a calhar, nessa hora de crise, os argumentos de Sônia Fleury e Assis Mafort Ouverney acerca do papel econômico das políticas de saúde, em texto muitíssimo interessante sobre o tema:

"Quando estivermos elaborando uma política de saúde, devemos ter em mente que seus planos e ações podem produzir efeitos políticos e econômicos.

[...]

Uma das maneiras de entender esse aspecto da dinâmica da política de saúde é perceber que a política de saúde, por movimentar uma quantidade enorme de recursos financeiros na construção e manutenção de unidades médicas, remuneração de profissionais, produção e distribuição de medicamentos e equipamentos etc., constitui um complexo de produção de bens e serviços que se apresenta como uma parte significativa do sistema da economia de um país.

Sendo assim, a política de saúde tem também um forte vínculo com o âmbito econômico, pois contribui para a manutenção do nível econômico e a aceleração do ritmo das atividades produtivas, ao causar efeitos sobre outros setores como química e farmacêutica, equipamentos etc.

[...]

A relação entre políticas de saúde, como as demais políticas sociais, e economia é, na maioria das vezes, uma relação tensa, pois os governos costumam ver as políticas sociais como áreas de gasto, e não de produção. Nos momentos de crise econômica e contenção de gastos governamentais, a área econômica do governo impõe limites aos gastos sociais para a preservação do equilíbrio financeiro.

No entanto, as áreas de políticas sociais deveriam ser também vistas como áreas produtivas, pois são geradoras de inúmeros empregos e têm acentuada capilaridade, já que as redes de saúde e educação estão espalhadas por todo o país. Assim, além de geradoras de emprego, as políticas de saúde contribuem para o desenvolvimento econômico, ao impetir a mortalidade precoce e desnecessária e formar uma força de trabalho mais educada e em melhores condições sanitárias. Em uma economia globalizada, cada vez mais o conhecimento e a qualidade de vida são vistos como imprescindíveis para o aumento da produtividade e, portanto, da competitividade no mercado internacional. Além disso, a área da saúde desenvolve tecnologias que fazem avançar o conhecimento e a capacidade competitiva de uma economia."*

Se ainda não implementamos o Estado de bem-estar social e não atingimos os objetivos constitucionais, em especial a erradição da pobreza e marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais, não deveríamos, portanto, dar ênfase às políticas sociais, especialmente as de caráter universal, como saúde e educação?

Neste momento, espero que não caiamos na tentação de submeter a direitos fundamentais às pressões dos interesses econômicos, desconectados dos interesses de nosso soberano: o povo.
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*Política de Saúde: uma política social. In GIOVANELLA, Ligia et al (org.) Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009. p. 46-48.

Um comentário:

  1. Pois é, concordo em gênero, número e grau, a não ser, de um ponto de vista extremamente realista, quando à soberania do povo. E é o que, dolorosamente, torna alguns programas eternos... programas.

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